O tombamento de Santa Ifigênia e Campos Elísios: reflexões sobre os caminhos cruzados do patrimônio e do urbanismo em São Paulo

Pedro Beresin Schleder Ferreira

Resumo


Em meados da década de 1980, o então prefeito de São Paulo, Jânio Quadros, como parte de seu “liberalismo urbano”, negligenciou o Plano Diretor então vigente, aliviando suas normas condutoras em favor dos interesses do capital privado. Firmou-se como protagonista da transformação urbana o “reloteamento”, ou nos dizeres atuais, a “revitalização” dos bairros Santa Ifigênia e Campos Elísios.
É nesse contexto que surge o processo de tombamento dessas mesmas áreas, em clara afronta aos planos da gestão municipal. Em 1986, foi realizado pelo CONDEPHAAT (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico) um estudo de preservação de ambos os bairros. Assinado por Modesto Souza Barros Carvalhosa, então presidente do órgão, junto aos inominados conselheiros e consultores convidados. O estudo, logo transformado em processo de tombamento, permaneceu em trâmite até 2008, quando passou por uma revisão, até ser outorgado em 2013. A longa duração do processo evidencia que nessa ação de salvaguarda, aparentemente de ordem meramente técnica, estavam envolvidas disputas mais amplas do que as valorações patrimoniais.
Para além da preservação de bens “culturais”, o estudo de tombamento de Santa Ifigênia e Campos Elísios teve como objetivo primordial uma ação política: impedir a remoção das populações menos abastadas e sua consequente relocação nos extremos periféricos. Nesse caso, o âmbito do patrimônio apresenta-se como um campo de disputas, tensionando sua definição como um campo isento, homogêneo e unívoco. Seguindo o pensamento de Antônio Arantes, o patrimônio é observado então como uma construção social que, portanto, nunca está desassociada de uma ação futura, tampouco de interesses que transcendem a sua esfera particular: econômicos, políticos etc.
A presente pesquisa tem como objetivo compreender as tensões existentes nesse processo entre os objetivos democráticos da preservação e a utilização de um instrumento peculiar à sua ação, o tombamento, que possuía, dentro dos órgãos patrimoniais, uma tradição de operação distinta, por vezes distante das finalidades desejadas. Para tanto, analisou-se os critérios de seleção utilizados no estudo de 1986, o discurso patrimonial que endossou o tombamento desses bairros, finalizando-se com um balanço de seus resultados efetivos. Observou-se que, apesar do cerceamento da propriedade e “congelamento” da área, impedindo o “arrasamento” dos bairros, a seleção dos bens e a proposta de preservação realizada culminaram em uma exclusão simbólica do que se pretendia defender. Assim, procurou-se apreender as implicações da utilização do tombamento nesse caso e subsidiar discussões acerca das potencialidades e limitações da utilização da ação patrimonial como instrumento de urbanismo.


Palavras-chave


patrimônio urbano, urbanismo

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Referências


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