Congada e Tambu: uma leitura geográfica do Patrimônio Cultural Intangível

Elisabete de Fátima Farias Silva, Bernadete Aparecida Caprioglio Castro

Resumo


A cultura é a manifestação da expressão humana, é o que dá a humanidade uma unidade na diversidade (COUCHE, 2002). Percebida de forma diferencial pelos grupos sociais, a cultura difunde-se, transforma-se, inventa-se. Materializada no espaço por construções e objetos e, ainda, intangível por um modo de ser e fazer, a cultura são saberes em ação, temporal e espacialmente identificáveis, remonta à oralidade, memória, tradição e costumes, identidade e patrimônio (HEIDEGGER, 1984; HOBSBAWN, 1997). A moderna concepção antropológica de cultura dá ênfase, pois, “nas relações sociais ou mesmo nas relações simbólicas, mas não nos objetos e nas técnicas” (GONÇALVEZ, 2009, p.30). É, assim, notável o crescente estudo dos diversos ramos do conhecimento no âmbito cultural e a busca de diálogo intraciência. Além disso e, também por isso, o amparo em leis, programas e projetos que tenham o objetivo de preservar - na concepção ampla do termo - a cultura se mostram fundamentais para esse processo (SANT’ANNA, 2009). Patrimônio cultural é o “Conjunto de todos os bens que, pelo seu valor próprio, devem ser considerados de interesse relevante para a permanência e a identidade da cultura de um povo”, podem ser classificados em bens materiais - móveis e imóveis - e bens imateriais ou intangíveis. Estes últimos são: “práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas - junto com os instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais que lhes são associados” das comunidades, grupos e indivíduos que os reconhecem como parte de seu próprio patrimônio cultural.(IPHAN, 2006). A Congada e o Tambu são manifestações culturais de caráter popular e tradicional existentes em Rio Claro/SP (CASTRO, 2013; BRETTAS; FROTA, 2012; FARIA, 2011, 2014; NASCIMENTO, 2005; PEREIRA, 2008) é, pois, sobre essas manifestações que discutir-se-á o conceito de patrimônio cultural, através do resgate da memória coletiva dos membros atuais e mestres de outrora, seguindo a metodologia da pesquisa participante e História Oral (HALBWHACS, 1990; CALDAS, 2001). Os relatos coletados nesta pesquisa trazem detalhes “de antigamente”: “oh, era assim... mas hoje não dá mais pra ser desse jeito” – comenta um mestre do Tambu; “mas isso era outros tempos, né, minha filha”, diz o capitão da Congada, experiências que vem ao encontro da ideia que, transmitido de geração em geração, o patrimônio cultural imaterial é recriado “[...] em função do seu meio, da sua interação com a natureza e da sua história”, incutindo no grupo “[...] um sentimento de identidade e de continuidade, contribuindo [...] para a promoção do respeito pela diversidade cultural e pela criatividade humana” (IPHAN, 2006, p. 15). A dimensão geográfica do patrimônio cultural imaterial é pensada nesta pesquisa quanto à compreensão do tempo e espaço vividos pelos grupos da Congada e Tambu. É a geograficidade da manifestação: as práticas e domínios da vida social no espaço que fazem deste o lugar da manifestação (HOLZER, 2003, 2010; TUAN, 1983). As modas cantadas de improviso, os trejeitos da dança, o saber que permeia o toque do tambor, é a cultura, material e imaterialmente, manifestada na Congada e Tambu.


Palavras-chave


Patrimônio cultural intangível; lugar; Congada; Tambu.

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DOI: http://dx.doi.org/10.22491/1806-8553.v10n2a003

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